6.11.07

O Rescaldo


A África do Sul voltou a erguer o Troféu Webb Ellis, desta vez em França, 12 anos depois de o ter feito em "casa". Venceu a melhor e mais regular equipa de todas as 20 presentes naquele que é considerado desde já o melhor torneio de sempre.

Depois dos quartos-de-final que trouxeram surpresas e que por acaso não trouxeram mais, das meias-finais aguerridas, chegámos a uma final que pecou pelo excesso do pontapé na bola. Apesar disso, os Springboks mostraram que sabem jogar em qualquer tipo de jogo: seja ele de avançados, como contra as Fiji nos quartos, com o uso da pressão dos três quartos como contra a Argentina nas meias e com a bola mais pelo ar que pela mão na final contra a Inglaterra.

Os Boks destronaram os campeões do mundo de 2003 no seu tipo de jogo e fizeram-no admiravelmente. Por isso venceram e com inteira justiça. Uma palavra também para a recuperação fenomenal da Inglaterra desde o jogo contra os sul-africanos na Pool. Embora demasiado tarde, os rapazes da Cruz de São Jorge portaram-se como verdadeiros leões no jogo contra a Austrália e contra a França mas já não havia pernas para mais no jogo decisivo. E vendo jogadores como Robinson, Dallaglio e outros a abandonarem pensamos se a Inglaterra alguma vez poderá lutar pelo ceptro novamente: a resposta é sim. Jovens como Tait, Sackey, Hipkiss dão-nos esperança de tal. A ver vamos.

Ficam aqui os 30 melhores deste Campeonato. Algumas escolhas podem parecer estranhas, mas vi muitos jogos e penso que estes jogadores são os que mais se destacaram.

1. Andrew Sheridan (ENG)
2. John Smit (c) (RSA)
3. CJ Van der Linde (RSA)
4. Bakkies Botha (RSA)
5. Victor Matfield (RSA)
6. Jerry Collins (NZL)
7. Juan Smith (RSA)
8. Nick Easter (ENG)
9. Fourie du Preez (RSA)
10. Juan Martín Hernández (ARG)
11. Bryan Habana (RSA)
12. Felipe Contepomi (ARG)
13. Francois Steyn (RSA)
14. Jason Robinson (ENG)
15. Percy Montgomery (RSA)

16. Os du Randt (RSA)
17. Mark Regan (ENG)
18. Simon Shaw (ENG)
19. Schalk Burger (RSA)
20. Agustín Pichot (ARG)
21. Seru Rabeni (FJI)
22. Paul Sackey (ENG)

23. Rui Cordeiro (POR)
24. Phil Vickery (ENG)
25. Sébastien Chabal (FRA)
26. Finau Maka (TGA)
27. Nicky Little (FJI)
28. Mathew Tait (ENG)
29. Takudzwa Ngwenya (USA)
30. Ignacio Corleto (ARG)

Ficam aqui também aqueles que para mim foram dos melhores jogos:

1. Gales 34 - Fiji 38

Disputava-se o segundo lugar da Pool B e quem ganhasse seguia em frente para os quartos-de-final. Num ritmo frenético, os fijianos chegaram ao intervalo a vencer por 25-10. Mas um cartão amarelo a um dos seus avançados mesmo no fim da 1ª parte permitiu aos galeses entrarem com tudo na 2ª e virarem o jogo. Os homens do Pacífico Sul conseguiram voltar à liderança do jogo com muito esforço mas, quando nos últimos minutos o centro galês Shane Williams quebrou a linha da defesa fijiana e marcou um ensaio, tudo parecia resolvido para os homens do hemisfério norte. Mas seriam os do hemisfério sul a festejar, quando o pilar das Fiji Dewes marcou o ensaio decisivo após jogada de insistência do temível pack do Pacífico Sul.

2. Inglaterra 0 - África do Sul 36

Os ingleses tinham que verdadeiramente jogar como campeões do mundo, depois de uma vitória nada convincente frente aos Estados Unidos e depois de um torneio das 6 Nações para esquecer. Mas seriam os africanos a fazê-lo: entraram com tudo, dominaram as touches, os breakdowns, os ressaltos e as bolas corridas. Chegaram facilmente aos ensaios e aos pontos, depois foi gerir a vantagem. Percebia-se que os ingleses ainda tinham muito trabalho (mas jogaram sem Jonny Wilkinson) e que os sul-africanos, que tinham ficado em 3º lugar no Tri-Nations, eram mesmo favoritos à vitória final.

3. Canadá 12 - Japão 12

Depois das tareias com a Austrália e Gales e de uma derrota que venderam caro às Fiji, os japoneses partiram para este jogo sem nada a perder e tudo a ganhar: se perdessem, era mais uma derrota. Se conseguissem ganhar ou mesmo empatar, acabariam com uma série de 12 jogos no mundial sem vencer. A pressão estava no lado dos canadianos que venceram sempre um jogo nos mundiais em que participaram. Uma partida entre dois "minnows" que não desiludiram. Jogo muito táctico mas interessante: equilibrado, com domínio a pender para os canadianos. A perder por 12-5, a 3 minutos do final, os japoneses lançaram-se sobre a linha de ensaio dos homens da folha de ácer como haviam feito no Pacífico Sul uns 60 anos antes sobre os vizinhos do sul do Canadá. E resultou. Aos 92 minutos, os japoneses atravessaram a linha de ensaio para lá da linha de 15 metros, quase nos 5. Com o jogo mesmo a terminar, e com a responsabilidade dos pontos do empate na sua bota, o centro Onishi, numa das melhores conversões do Mundial, restabelece o empate e a justiça no marcador. Épico.

4. Nova Zelândia 18 - França 20

Fora de casa, fora do lugar de favoritos, fora de hipóteses. Os franceses estavam encostados à parede e os grandes favoritos, os All Blacks, pareciam a caminho das meias finais. Mas os Bleus, nestas situações, inspiram-se e trazem de dentro de si o melhor rugby que se vê por esses relvados fora. A perder por 18-13 a 10 minutos do fim, Michalak, recém-entrado, faz uma corrida de 40 metros (com um toque para a frente pelo meio) e entrega a Jauzion que marca o ensaio que restabelece o empate. Elissalde, com toda a calma do mundo, bate a conversão e a França passa para a frente. Aí, e já sem os seus grandes avançados, os neo-zelandeses atiraram tudo quanto tinham sobre os franceses, incluíndo uma jogada com 23 fases (!) dentro da linha de 22 metros francesa. Mas os Bleus, que fizeram frente à haka destemidos e a formarem a bandeira francesa, aguentaram o forte e, acima de tudo, mantiveram vivo o sonho de levantar a taça, finalmente.

5. França 10 - Argentina 34

O jogo que ninguém queria disputar. De orgulho ferido, as equipas subiram ao relvado sabendo que seria o último que os respectivos treinadores as orientariam. Bernard Laporte seguirá a carreira política e Marcello Lofreda embarcará para Inglaterra, onde irá treinar os Leicester Tigers. Os franceses pareciam estar a dominar a partida, com muita posse de bola no meio campo argentino, mas os sul-americanos, com uma defesa de ferro, repeliram as investidas dos Bleus. E no contra-ataque provaram que as cobras não dormem. Da primeira vez que entraram com posse de bola nos 22 metros franceses, Felipe Contepomi marcou um ensaio que se encarregou de converter. E quando os franceses ainda pensavam no que lhes tinha acontecido, eis que os Pumas entram novamente nos 22 e Hernández tenta o pontapé de ressalto. A bola bate no poste para alívio momentâneo dos gauleses pois acabou por ressaltar para Roncero que em cima da linha de ensaio é placado mas consegue deixar a bola em Hasan Jalil que mergulha e aumenta a vantagem. A partir daí, vimos os franceses a tentarem salvar a honra do convento, mas os argentinos provaram que são, de facto, uma das melhores equipas do mundo: muralha de ferro nos 5 metros, ataques rápidos e letais, handling perfeito, corridas e jogadas de três quartos como não se viram neste mundial (e noutros) e o resultado só podia ser um: os homens da América do Sul, a quem ninguém dava muito crédito, acabaram por dançar o Tango da celebração em pleno Stade de France.

Queria referir ainda o África 37 - Fiji 20, o Irlanda 14 - Geórgia 10, o Roménia 14 - Portugal 10, o Austrália 10 - Inglaterra 12, o Samoa 15 - Tonga 19 e o Geórgia 30 - Namíbia 0. Excelentes jogos, sobretudo aqueles em que os "minnows" estavam envolvidos. Paixão, garra, honra, glória; alguns adjectivos e epítetos que podem ser atribuídos aos homens que vão para lá porque querem elevar o nome dos respectivos países ao mais alto nível. Uma inspiração para todos aqueles que seguiram de perto o Mundial. E é por isso que quando se fala em reduzir de 20 para 16 equipas o Mundial de 2011 devemos todos dizer: "NÃO!".

Até 2011, na Nova Zelândia!