29.1.09

[Ventos de Nordeste] MSE

1. A partida, ou Os Hankeits fazem-se ao mar


06/10: Helsinki, Suomi -> Stockholm, Sverige (barco: M/S Gabriella)

Ghostland Observatory - Sad Sad City

Quem estivesse na estação de metro de Rastila dia 6 de Outubro toda a manhã veria o curioso espectáculo de uma multidão de jovens, de aspecto obviamente estrangeiro, a levar consigo mochilas e bagagens para o centro de Helsinki. O que os motivaria? Bem, depois de despachadas as aulas, o almoço e os últimos mails enviados para famílias e amigos na Hanken, os Hankeits fizeram-se ao mar.


Pelas 16h45, no porto de Katajanokka, embarcámos no ferry que nos iria levar a Stockholm. A boa disposição imperava no seio deste grupo heterogéneo que incluía nacionalidades tão díspares como alemães e mexicanos, italianos e finlandeses, portugueses e russos, enfim, uma grande salada.


Adeus a Helsinki, cidade triste e pouco mexida para nós no auge da nossa juventude. Adeus a Helsinki e olá a uma viagem de 16 horas pelo Golfo da Bótnia até Stockholm, a capital da Escandinávia.

Embarcámos no M/S Gabriella, navio da Viking Line, que nos seus 12 decks incluí parqueamento de viaturas, cabinas, sauna com jacuzzi, salas de conferências, restaurantes, lojas, um super-mercado e tudo o mais que se possam lembrar que caiba num cruzeiro, estava lá. As nossas cabinas – obviamente as mais baratas – ficavam no último deck, debaixo do estacionamento dos carros e já bem debaixo de água.




Os meus companheiros de cabina e de quarto em Stockholm: o Rodrigo, o Romain e o Josué, também mexicano, com um mapa dos decks na parede. O nosso é o debaixo, o deck 2.

Death Cab For Cutie – A Lack Of Color


As cabinas eram pequenas mas funcionais, com dois beliches cujas camas superiores tinham cintos de segurança para que as pessoas não caíssem com as oscilações e uma pequena casa de banho e uma cortina a dissimular não uma escotilha mas… casco!

Depois de instalados, fomos para os conveses onde se podia sair para o exterior e vimos a saída de Helsinki com a difícil navegação por entre as ilhotas que rodeiam os portos. O vento fortíssimo que soprava na proa do barco empurrava-nos para trás e foi aí que pela primeira vez nesta grande viagem voei: bastava saltar e em plena elevação abrir o casaco que imediatamente éramos puxados para trás. Cheguei a recuar 2 a 3 metros só nesta brincadeira.



À falta de melhor fotografia, como as que um senhor finlandês nos estava a tirar em pleno vôo com uma câmara profissional e que não lhe chegámos a pedir pois desapareceu de vista, fica esta tirada pelo Rodrigo: é evidente o esforço que estou a fazer só para me manter direito!








Imagens do fim de tarde e início de noite que prometia. Depois de se comprarem bebidas e coisas para comer – provisões para o que se seguiria – fomos para a sauna no deck 6 onde pagámos 5 euros para ter direito a sauna, jacuzzi e muita, muita diversão.

Tranquilamente sentados numa sauna pequena num muito peculiar formato triangular, eu e os mexicanos (Rafa, Josué e Rodrigo) mais o Marcus, tutor finlandês, assustámo-nos quando o barco oscilou um bocado mais do que estávamos habituados e um grande barulho ribombou no casco. Perante o nosso sobressalto os dois homens que também estavam lá riram-se e explicaram que o barulho era normal pois estávamos ao nível da água e aquilo era a ondulação normal. Mais nos asseguraram que se o barco metesse água, demoraria dez minutos até chegar àquele deck, portanto podíamos aproveitar a sauna mais um bocado. Rimo-nos e lá nos apresentámos. Ficaram bastante interessados nos mexicanos (“Very far away from home, no?”) mas quando viram o Marcus falar sueco animaram-se:

- But aren’t you Finnish?
- Ja, men jag är en finlandssvenskar. (sueco para “Sim, mas eu sou um Finlandês falante de sueco.”)
- Oh, ok. I guess it’s not that bad! (Primeiro indício da viagem da grande rivalidade entre os dois países)

Lá nos explicaram que sendo um deles sueco e o outro dinamarquês se percebiam nas suas línguas (o sueco, o dinamarquês e o noruguês são mutuamente inteligíveis) e o dinamarquês até gozou o prato a dizer que percebia os outros mas que eles não o percebiam.

Saímos então da sauna e juntámo-nos aos outros que já ocupavam o jacuzzi. Ficámos por lá até sermos expulsos sem mais nem menos, porque já tínhamos excedido para lá do tempo a que tínhamos direito e até porque aquilo tinha que fechar.

Depois disso, fomos todos jantando aqui e ali e acabámos por ir ter ao último deck, onde havia um bar de karaoke e as raparigas já tinham tomado conta daquilo tudo. Sem dar por isso, já estava inscrito, com o Rodrigo e o Josué para cantarmos uma das poucas músicas espanholas que estavam nas listas.

Jarabe de Palo – La Flaca

Com as viagens até às cabinas para ir reabastecer de bebida ou só para trincar mais qualquer coisa, as pessoas foram-se separando em grupos espalhados pelos decks dos bares e bastava procurar num ou outro para descobrir grande animação protagonizada pelos Hankeits. Inconspicuamente eram passadas de mão em mão lata e garrafas de coca-cola e outras bebidas; a razão para isso era a mesma da de Helsinki: era proibido beber bebidas alcoólicas nos bares que não fossem compradas lá, por isso eram disfarçadas de refrescos. Admito que o plano não é muito engenhoso, mas ao fim de algum tempo já ninguém se importava com isso e era ver as pessoas dançar já com as pernas a tremer (“Why are you walking in curves?” – “Well, obviously it’s because I don’t have sea legs!”) mas nem por isso desmoralizadas.

E depois de muitas horas e de um dia longo, as pessoas foram recolhendo às cabinas e demos por nós a ser enxotados da discoteca que fechava. Fomos então para os corredores das cabinas à boa moda do botellón espanhol onde metemos conversa com outro grupo de estudantes. Ao fim de algum tempo e depois de ter encontrado os meus companheiros de cabina, foi a nossa vez de nos rendermos à ondulação e ao sono. Tempo ainda para ninguém conseguir descobrir como se apagava a luz de presença na cabina e de ainda fazer uma playlist no iPod que me iria acompanhar por 4 países antes de toda esta aventura acabar.


15.1.09

[Ventos de Nordeste] Rotinas

The Go! Team - Huddle Formation

Tenho saudades das rotinas. Saudades de acordar ao som do Awaken, de pôr no snooze mais dez minutos, de pôr as havaianas nos pés, dirigir-me à casa de banho e tomar um duche bem quente, da dificuldade que era sair da casa de banho e voltar a calçar as havaianas sem tocar com os pés (lavados) no chão (sujo). De vestir-me e pegar em barras de cereais que serviriam de pequeno almoço no metro (se estivesse a ir cedo para a Hanken) e de encontrar amigos com quem me ria das peripécias das noites anteriores.

Tenho saudades da rotina de almoço na Hanken ou na HSE ou no UniCafé ao pé da casa dos estudantes ou o do Administration Building, em frente ao ginásio, na Fabiankatu. E saudades das aulas em que a maioria dos estudantes éramos nós, de Erasmus, e o ambiente era descontraído e jovial, como se uma continuação da festa anterior ou uma ante-câmara da seguinte...

E das viagens de metro de volta para Harustie de quem não tinha que ficar na biblioteca a estudar ou a trabalhar em que se combinavam as tardes e noites mas uma prática que caiu em desuso perante o improviso a que nos dedicámos posteriormente e à alegria de aparecerem no nosso apartamento para uma cerveja que acabaria por levar sempre a mais outra, que seriam seguidas por alguém puxar de uma inconspícua garrafa de Schweppes.

UEFA Champions League Theme

E das grandes jogatanas que se faziam em Harustie e os tópicos no facebook onde fazíamos a contagem dos jogadores, onde os espanhóis Mendi (com as suas botas brancas) e o Perú (com a sua camisola do... Peru) dominavam a bola com categoria e o Fernando, por contraste, tinha sempre a infelicidade de marcar auto-golos, onde o Maciej (lê-se Machek) destruía tudo e todos com a sua "besteza" polaca e o Wybren dominava o jogo aéreo com os seus 1,95 m, onde o Diogo era a bala vestida de amarelo e que corria mais rápido que os outros com as suas perninhas e onde, se tivéssemos sorte, o Luca aparecia e mostrava porque é que a Itália é campeã mundial de futebol ou daquela vez em que o Ralf (alemão) veio e jogou que se fartou ("Today's MVP is Mr. Kellner!"). E outros, como os austríacos Herman e Stefan (Patakinho, essa promessa do futebol português!) ou o Côme e o Mael (franceses), o Radek (checo) e o Johan (sueco) que faziam número e jogadas impressionantes ou nem por isso, mas que concerteza não destoariam de uma autêntica final da Champions, excepto quando nevava e o campo ficava soterrado por um metro de neve e aí, então, era palco de grandes batalhas de neve.

Volbeat - I'm So Lonesome I Could Cry

A rotina mandava então todos para a sauna, ou no A ou no F building, e lá íamos, descansar, relaxar, beber umas cervejas e falar de tudo: raparigas, festas, viagens e o que quer que nos lembrássemos. E onde o Chris dominava o balde de água e os alemães apareciam vindos de sabe-se lá onde; onde o Alex cortou o pé a correr para a neve e o Eric gostava de se atirar de cabeça para sítios onde caísse ao lado de neve amarela, para que quem o seguisse...

E depois disso, duche rápido e jantar relâmpago com o Romain e por vezes o Rodrigo (se já tivesse voltado do seu trabalho na padaria), regado com uma ou duas cervejas e mais umas latas enfiadas nos bolsos ("These are my party pants and jacket: they can hold up to 6 cans of beer!") para irmos para casa do Rafa (mexicano), do Ralf e do Simon (alemão) jogar mau-mau, em jeito de 'pre-pre-party', onde invariavelmente alguém acabava por perder mais do que uma vez seguida e tinha que aceitar a penalização com um sorriso. A rotina começava a apresentar nuances nas pessoas que vinham jogar mas acabava sempre com alguém que perdia claramente (normalmente quem jogava pela primeira vez) e com o Florian (o barbudo) claramente a ganhar a toda a gente. E o Simon, sem dúvida impelido pelos seus deveres como anfitrião, que distribuía cartas alegremente a quem demorasse a jogar ou estivesse distraído no seu turno, aumentando as probabilidades de essa pessoa perder... e beber.

Guru Josh Project - Infinity (Klaas Vocal Edit)

E depois disso a festa prosseguia para a 'pre-party', quer no E building quer no apartamento das raparigas, um duplex no D building, onde viviam as 3 raparigas (Cynthia, Anabelle e Maria) e o fantasma holandês, de seu nome Séljine. E a rotina começava a desbotar as nacionalidades e os grupos onde quer que a festa fosse. No E building tínhamos sempre o Coco (o Côme já no seu alter-ego 'party mode' e que foi votado "The most crazy Erasmus" no jantar de despedida) a sair da janela da cozinha (um rectângulo que não tinha mais que 20x70 cm) para nos abrir a porta da área comum e a pôr o seu iPod com Daft Punk para o início da festa e Moby para o seu fim ou tantos frigoríficos para guardar bebidas, sendo que a varanda cheia de neve era o preferido. No apartamento das raparigas tínhamos a Cynthia e a sua playlist ("THE playlist!") e dois andares para fazer a festa.

E era nessas festas que por vezes apareciam os tutors (desde o Marcus e o Otto à Jutta e a Johanna) e as pessoas que viviam "at HOAS" - a Stella e a Eva (austríaca), as raparigas mexicanas e o Borja (espanhol de Barcelona mas adepto fervoroso do Real Madrid. Quando lhe perguntei se o Barcelona era o seu grande rival olhou-me perplexo e respondeu-me que obviamente eram os 'índios' - o Atlético) que vivia em Pasila. E nessas festas viam-se ao início as torres gémeas (o Wybren e o Johan) a dominarem a paisagem e grupos de nacionalidades mas lá para o fim o que se via era um grupo gigante que saudava quem entrasse pela porta como se de um irmão há muito não visto se tratasse e de onde saíam as maiores gargalhadas e memórias de Erasmus. E a rotina mandava que se vissem latas de inúmeras marcas diferentes de cerveja, consoante os gostos e as nacionalidades. Era frequente ver o Wybren com as suas Heineken, os alemães variavam entre a Lapin Kulta e a Koff, outros, geralmente os espanhóis, preferiam a Karhu e os que iam regularmente a Tallinn tinham as Saku. Estas latas costumavam ficar pelas casas onde as festas se faziam e cujo retorno dava 15 cêntimos cada aos proprietários das casa - uma espécie de imposto da festa. E as garafas de litro e meio de coca-cola, de plástico duro que davam 40 cêntimos de retorno, que normalmente alojavam mais do que Coca-Cola e as inúmeras garrafas de meio litro de água que tinham "orange juice, I'm telling you!" também faziam a sua presença.

E saudades ainda das corridas para o último metro para Helsinki às 23h12 ou então de apanharmos o autocarro e por vezes encontrarmo-nos com o pessoal da HSE que conhecemos na viagem à Rússia, vindo de Vuosaari, e chegados ao centro decidirmo-nos pelo baarikärpänen, pelo KY ou pelo Onnela se não houvesse festa na Casa.

Rotinas neste bares e discotecas seriam sempre e invariavelmente pagar 2 euros pelo bengaleiro e puxar do Silver Card, cartão que nos permitia ter desconto em cervejas e algumas bebidas. E rirmo-nos e dançarmos e bebermos e divertirmo-nos, tudo isto era rotina. E era aqui, já em Dezembro, que as lágrimas saltavam dos olhos das raparigas e os abraços dos rapazes duravam mais uns segundos e eram mais fortes e "não é adeus, é até à próxima!".

Booka Shade - In White Rooms

E depois era sair das festas e passar pelo McDonald's de Kamppi ou de Rautatientori para comer um duplo cheeseburger ou aguentar pelo autocarro das 4 da manhã (evitávamos o 90N que demorava mais tempo e apanhávamos o 96N que era bem rápido - e onde eu adormeci uma vez e perdi a minha estação) que custava 4 euros e era o último transporte de Helsinki até ao metro abrir às 5h15 aos dias de semana e às 6h30 ao fim de semana. E a rotina, para os que ainda tinham fôlego, era ir para a 'after-party' no E building onde a Olga (espanhola), a Caroline e a Anna (russa) disponibilizavam a sua cozinha e o Luca presenteava-nos com um spaghetti alla bolognese ou no D building, onde as raparigas faziam pão de alho no forno. E era também, para quem ainda não se quisesse render à noite, altura de subir aos telhados (era perfeitamente seguro!) destes prédios - ideia do Coco, claro. E foi numa das últimas noites em que se subiu aos telhados que vimos a cidade ao longe, brilhante e viva na noite escura à esquerda, as árvores gigantes e imponentes que ficavam para lá do campo de futebol atrás de nós, as luzes brilhantes de Vuosaari à direita onde pontificava um prédio que teria os seus 30 andares e à nossa frente a baía gelada.

E aí a rotina acabava com ir para casa e a despedirmo-nos nos carreiros do parque de Harustie 7, com cada um a seguir para o seu prédio e apartamento, para a sua cama e para os seus sonhos e para o dia seguinte. A rotina incluía ainda um relance rápido nas notícias desse dia se para tal ainda houvesse forças e depois deitar-me na cama onde acordaria no dia seguinte, para mais um dia, para mais uma noite.