3.3.10

[Ventos de Nordeste] Crónicas Russas


1. Vaalimaa, ou Crónica de uma fronteira

04/11

Lux Aeterna [A tensão que percorre toda esta composição espelha bem a sensação de inquietude com que se vive à sombra de um gigante adormecido - o vento não soprou, o sol absteu-se de brilhar com força, nem pássaros sobrevoaram aquele pedaço de terreno que separa dois países que trazem do passado um historial de domínio, guerra e paz armada]

Vindos de vários cantos do mundo, os estudantes da Hanken dirigem-se para Rautatientori com uma finalidade: às 13h30 deveriam estar a embarcar no autocarro que os levaria ao maior país do mundo. Lá chegamos e esperamos pelo nosso nome chamado em voz alta para que possamos embarcar; travamos conhecimento com o pessoal de Erasmus da Helsinki School of Economics (HSE) (os nossos rivais do outro lado da rua, a faculdade de economia para os finlandeses que falam finlandês) e perspectivamos uma longa viagem.

Uma vez dentro dos autocarros e já cada um com o seu passaporte devolvido (esteve nas mãos da agência de viagens para se pedirem os vistos), nada nos pára: seja o trânsito, sejam as centenas de quilómetros que temos pela frente, seja o sono de depois do almoço. Esses obstáculos são ultrapassados com a conversa que nos liga a novos amigos e reforça os já existentes, com as mais uma vez inconspícuas garrafas de Schweppes que apenas e seguramente levam água tónica que começam a circular entre filas, com o avolumar de expectativas quanto aos dias e noites que vamos passar e com a música que sai dos auscultadores de quem os leva. Pelo meio, um avistamento de inconfundíveis alces (pelo seu tamanho e volume comparados com os das pequenas renas), a espécie mais rara da paisagem finlandesa, traz algum exotismo à viagem.

Após algumas hora, o ritmo do autocarro abranda a uma escala inversamente proporcional ao que se passava dentro dele. À medida que nos aproximávamos da fronteira, mais e mais pessoas se iam levantando dos seus lugares para ver se vislumbravam ao fundo a tal separação entre dois países outrora inimigos, hoje em dia vizinhos cordiais na “entente cordiale” possível no Século XXI.



Após quase uma hora parados no trânsito muito perto da fronteira, e já com os múltiplos apelos e avisos da guia que nos acompanhava para que na própria fronteira não tirássemos fotografias e que nos mantivéssemos sossegados nos nossos lugares, a impaciência começava a propagar-se. O próprio condutor já tentava, em inglês, explicar que aquilo era normal, que se demorava muito tempo por causa das burocracias e necessidade de controlar todos os veículos em detalhe. Enfim, fartou-se de nós e do barulho que fazíamos e saiu do autocarro para ir falar, ele próprio, com os soldados a fim de perceber qual era a razão para tamanha demora.



Voltou, satisfeito, e com boas notícias. Iríamos pelas “traseiras” e assim fomos, escoltados por um misto de polícias e soldados, seguindo por uma estrada paralela até ao posto de controlo de passaportes e vistos. Afinal na Finlândia também há cunhas...

Começa aqui a segunda parte da aventura da fronteira: somos obrigados a sair do autocarro e deixar para trás todos as mochilas e bagagens; a próxima parte do trajecto faz-se a pé, munidos apenas com os nossos passaportes. O autocarro segue, com o seu mestre, para ser pesado - resultado que não deve diferir em muito do que apresentar à entrada no regresso - enquanto que nós seguimos pela “no man's land” onde devemos mostrar a um guarda fronteiriço finlandês o nosso passaporte com o visto que nos autoriza a entrar no gigante país. Atravessamos quase um quilómetro entre dois países e a sensação presente é que não pertencemos a países, nem a Uniões Europeias ou outras, mas sim que estamos agora à mercê da vontade política dos governos em não declararem guerra uns aos outros enquanto nos encontramos naquela minúscula fatia de terreno que, afinal de contas, não pertence a ninguém.

Chegados ao lado de lá, mas ainda não do outro lado, voltamos a entrar no autocarro, que já tinha cumprido os trâmites legais do lado finlandês da fronteira. Já havia escurecido, parecia que nos recebiam com a noite de propósito. Atravessamos momentaneamente uma aberta na floresta: a fronteira em si. Uma faixa que deve ter uns 15 metros de comprimento e que corta a direito as árvores de maneira abrupta mas precisa, como se de uma operação militar se houvera tratado. Ao meio, uma vedação. Electrificada, diz-se. Mortal para quem a atravessar sem permissão, seguramente - é o que deve passar pela cabeça de todos; a mim é. Imagino soldados camuflados de ambos os lados da vedação e com instrumentos de visão nocturna a patrulhar a floresta e olhando-se nos olhos, sempre com a tensão de quem vigia inimigos com quem se vive em paz. Paramos de repente: ouve-se a porta a abrir e entra um soldado, armado com uma Kalashnikov, para fazer o primeiro controlo do passaporte deste lado da fronteira. O seu uniforme e maneirismos são marcados pela simbologia de outro mundo: a estrela vermelha que se mantém na fronte da ushanka, o verde mesclado com o cinzento que será impossível de discernir na floresta escura de coníferas que nos envolve, o nome em letras diferentes, o olhar desconfiado de quem serve um país que nunca viveu em paz verdadeira. Tudo em ordem, ordem para prosseguirmos.

Ao fundo vê-se o posto fronteiriço do lado de lá, o qual se ultrapassarmos estaremos finalmente do lado de cá. Mais uma vez, saímos para que o nosso companheiro e meio de transporte seja pesado. Nós temos que mostrar uma vez mais o passaporte, mas desta vez é diferente. A tensão que enchia o ar desde que saímos efectivamente da Finlândia dobrou de intensidade e as conversas baixaram de tom. Organizamo-nos em filas indianas para que chegue a nossa vez de mostrar aos guardas fronteiriços que temos permissão para entrar no seu país. Dentro de um cubículo de madeira e vidro, o guarda vê o passaporte, confere o nome no visto escrito em alfabeto cirílico na variante russa e em alfabeto romano na segunda página do passaporte de cada um e compara a cara que tem à sua frente com a fotografia certamente antiga em muitos casos - o meu. Por trás e acima de nós, um espelho inclinado permite ver ao guarda as nossas costas, para que não haja a possibilidade de alguém passar de gatas - suponho - ou de levarmos uma arma escondida - continuo a supor. A mim, uma guarda fronteiriça com aspecto terrível de comissária política dos anos 80 na versão antiga do país a que quero aceder desconfia com o olhar natural dos eslavos do Oriente do meu longo nome e da sua transliteração para cirílico. Até porque no visto que vinha no passaporte nem todos os meus nomes constavam: faltavam justamente aqueles que eu havia, ingenuamente, escrito no visto de papel que nos distribuíram no autocarro e que devíamos ir carimbando de cada vez que mostrávamos o passaporte, tanto do lado de lá, como pelo meio, como antes de estarmos do lado de cá - uma confusão necessária, pois neste momento nenhum de nós se sentia verdadeiramente em lado algum.

E enquanto a minha entrada se jogava na confusão que durou alguns segundos, minutos para mim, na análise do meu passaporte, dei por mim a pensar que estes guardas não viviam realmente em lado algum também. Não os imaginava a acabar o turno perante a escuridão e o frio que reinavam lá fora na noite e ter que recolher à casamata onde passavam os dias do destacamento à fronteira. Será que eram rendidos e que durante a noite também se aceitavam pessoas nos dois países ou fecharia a fronteira nas horas mortas da noite? Lá me devolve o passaporte, sem me dirigir uma única palavra durante todo este tempo de especulações - deve ter visto a minha nacionalidade e com a típica resignação dos povos estrangeiros calculou que eram assim que se faziam as coisas noutros lugares e pensando de si para si na superioridade do seu povo em manter as coisas simples, até nos nomes que se dão aos filhos, continuo a supor.

Esperamos pelos que ainda têm que passar o mesmo processo; uma vez todos despachados fazemos menção de entrar no autocarro mas ainda não é desta. O condutor diz algo à guia que nos traduz que ainda falta fazer mais umas pesagens e medições apesar de este estar mesmo à nossa frente, parado e com aspecto já fatigado de tanta inspecção. É, finalmente, dada a ordem: podemos entrar e prosseguir viagem.

Duas horas, foi o tempo que demorou tudo isto. Duas horas para atravessar uma fronteira onde fomos controlados 3 vezes e mesmo assim existia o risco de não sermos aceites no país. Mas agora sim, após duas horas, podemos dizer que estávamos do lado de cá, do lado do maior país do mundo. A tensão no ar alivia-se um pouco mas mantém-se como um espectro. Chegáramos finalmente à Rússia.


2.3.10

[Ventos de Nordeste] Crónicas Russas

0. Prefácio, ou Palavras antes das (outras) palavras

Antes de virem as ditas crónicas, aqui segue uma pequena explicação.

Serve este conjunto de crónicas como relato (há muito adiado e devido) da viagem à Rússia, país de contrastes e exotismos, uma ilha em dois continentes num país que é em si um continente. Muito viajei e vi, muito ficará por escrever e descrever; por isso mesmo estas pequenas crónicas tentam capturar por palavras, sons e imagens a maneira como senti e vivi esses idos dias com algum detalhe mas sem precisão quanto a momentos, acções e reacções - apenas vagas ideias que reti e aqui exprimo.

Venham elas.



14.5.09

[Ventos de Nordeste] MSE

6. A chegada, ou 3 aeroportos num dia

13/10: Amsterdam -> Schiphol Airport (comboio)

Easy Star All*Stars – No Surprises


A rolar na paisagem escura e plana, o movimento do comboio embala-me e chama-me para o sono mas tento não adormecer com medo de me roubarem a mochila ou de perder a estação do aeroporto. Vou, à laia de exercício mental, tentando lembrar-me de tudo o que vi durante estes dias para me manter acordar e também fazer passar o tempo.

Chegados então a Schiphol, é altura de subir as escadarias para a estação. Meio adormecido, lembro-me dos jogos do Super Mario em que se descia nos túneis para outros níveis e mundos: ao descer as escadas para o túnel, tinha entrado no mundo da Holanda; agora subia para voltar ao mundo normal. Rio-me desta memória de infância e prossigo para o meu terminal que, como em todos os aeroportos por onde passo nesta aventura, é do outro lado do aeroporto.

Durante a caminhada descubro este globo que tem os fusos horários e que me mostra bem o que havia percorrido e quão longe estive de casa e ainda estou.





Procuro o meu balcão de check-in; ainda não está anunciado pois o meu voo é pelas 7h e são umas 2h da manhã. Dirijo-me para os balcões da SAS e aninho-me como possível nas cadeiras com braços de cada lado, o que me leva a suspeitar que estão feitas de propósito para não deixar as pessoas dormir nos bancos. Insatisfeito com esta falta de consideração pelos viajantes, deixo-me ficar por lá.

Sempre com um olho aberto e com os pensamentos focados em não ceder ao cansaço largamente acumulado e perder o avião, durmo intranquilo mas durmo com os outros viajantes a fazerem-me companhia num aeroporto vazio, adormecido e sossegado. Ao fim de umas horas, começam a circular mais pessoas e o aeroporto parece acordar com os balcões que abrem pelas 5h. Deixo-me estar mais um pouco a descansar e só depois faço o check-in com o voo de ligação entre København [lê-se shó-ben-ha (inspirado) – ven] e Helsinki.

Feito o check-in, vou a uma casa de banho lavar os dentes e a cara para acordar um pouco e ter um mínimo ar apresentável antes de me dirigir à porta de embarque.

Schiphol, Nederland -> Copenhagen Airport, Kastrup, Danmark (avião: voo SK 550 da Scandinavian Airlines)

Embarco no avião e espero até levantarmos para ligar mais uma vez o iPod para um voo de 1:25. Antes de adormecer ainda me consigo aperceber das estufas iluminadas à volta do aeroporto, rectângulos de luz na madrugada escura a brilhar pela janela. À medida que nos afastamos as luzes tornam-se conglomerados luminosos, como se a própria Terra fosse radioactiva são os únicos pensamentos que consigo formular antes de sucumbir ao cansaço.

Dou por mim a acordar já com o avião a descer para København. A neblina amortalha pedaços de terra dispersos pelas águas esverdeadas e calmas. Aterramos com suavidade e ouço Dinamarquês e como ele é uma versão raspada e arranhada do Sueco, língua que desliza na língua; como o Castelhano e o Português. Saio do avião e, sem surpresas, descubro que a porta de embarque para Helsinki é no Pingo Doce lá do sítio, ou seja, no sítio do costume: do outro lado do terminal. Ao menos o aeroporto é agradável, mesmo a esta hora madrugadora: aparentemente, é considerado um dos melhores aeroportos do mundo, tendo ganho a distinção de melhor aeroporto europeu e mundial algumas vezes.

Sempre a andar, sempre à procura, sempre a dormir em pé. Dou por fim com a porta e assento arraiais num espaço comum a três portas de embarque numa varanda com vista para as pistas ainda submersas na neblina matinal. Tempo ainda para enviar uma mensagem para Portugal a avisar do paradeiro e do fim iminente da aventura e, por fim, embarco para casa.

København, Danmark -> Helsinki-Vantaa Airport, Suomi (avião: voo SK 1712 da Scandinavian Airlines)

Sento-me num avião praticamente vazio e adormeço assim que ponho o cinto de segurança. Não sinto o avião levantar nem aterrar, foi uma hora e meia que em que a minha consciência esteve algures que não no meu corpo. Acordo com uma hospedeira a dizer-me que já chegámos a Helsinki.

Porco, sujo e possivelmente a cheirar mal – não trocava de roupa há um dia – desembarco na minha cidade, na minha realidade. Reconheço as tabuletas que me indicam para a saída e a confusão que me tinham causado naquela tarde longínqua de Agosto e da simplicidade com que tinha chegado aqui, agora em versão “sozinho e sem boleia”. Mas mais uma vez a moleskine vem em meu auxílio e diz-me que há um autocarro prestes a sair para o centro de Helsinki. Agradeço ao eu passado a previdência (“homem prevenido vale por 1500”) e entrando no autocarro, volto à realidade.

Norah Jones – The Long Day Is Over

Vantaa -> Helsinki (autocarro)

Saio em Rautatientori e apanho o metro para a Hanken, onde tinha uma discussão para IB. Entro pelas portas e imediatamente começo a reconhecer pessoas, horas passadas, coisas feitas e vistas. Sou cumprimentado e cumprimento, sou “elogiado” pelo meu aspecto terrível e dão-me as boas-vindas à vida de Erasmus. Vou buscar o meu almoço – já com saudades da comida da cantina e de uma boa refeição – e enquanto como reencontro mais amigos e sou o centro das atenções. Assim que encontro os meus colegas de IB, percebo que afinal a discussão não era nesse dia. Rio-me para não chorar e acabo pacatamente de comer. Sem mais a fazer na faculdade, ponho-me a caminho de casa.

No metro ligo o telemóvel finlandês e este recusa-se a ligar, talvez por ter ficado sem bateria algures, talvez por princípio, talvez para gozar comigo. Chego a Rastila e alguns metros a andar depois, a Harustie; chego finalmente a casa. A energia que resta não resta sequer para tomar um duche: serve apenas para pôr o telefone a carregar e mandar uma mensagem para os pais a dizer que sobrevivi a tudo e já aterrei no ninho. Tiro os sapatos e o blusão e deito-me na minha cama, para o fim de uma aventura que me levou por 4 países, 4 cidades, 3 aeroportos em 3 capitais, vários meios de transporte e onde dormi num beliche numa cabina de um barco, numa cama de hotel, num colchão num quarto de Erasmus, num beliche numa camarata de um hostel e em bancos de aeroporto. Não duro muito mais que uns minutos acordado e a última coisa que me passa pela cabeça é a fome que vou ter quando acordar e a roupa que tenho para lavar.



11.4.09

[Ventos de Nordeste] MSE


5. Fietsen in Amsterdam

11/10: Amsterdam

Kings of Leon - Charmer

Aproveito ter acordado mais cedo que os outros e vou a uma lojeca de internet ao lado do hostel. Ligo-me novamente ao mundo real e leio as notícias por alto e abro o e-mail para comunicar com a família e os amigos que por esta altura já voltaram a Helsinki... que longe que todos estão! Fico a saber que não tinha entregue um texto para Sueco mas agora já nada havia a fazer. Saudades para Lisboa e Helsinki, conselhos para Amsterdam e escrever no facebook para meter inveja a quem o vê.

Terminada a minha hora, volto ao quarto para encontrar alguns deles já prontos e decidimos partir em busca de um bom sítio para comer. Acabamos por encontrar uma pancake house perto do nosso hotel e esperamos que os outros venham ter connosco. Enquanto eles se decidem por um english breakfast, eu escolho uma panqueca gigante, com doce, gelado, fruta e chocolate. Comemos à grande e exageradamente: a garrafa de ketchup que seguro na mão tem 1 litro!




Com o estômago cheio e reconfortado, decido atacar os museus que me recomendaram: o van Gogh e o Rijksmuseum. Saltando para cima da bicicleta em frente ao hostel, desço uma muito tranquila Spuistrat até ao outro lado dos canais e perto do Vondelpark, um dos passeios mais agradáveis que já fiz.

Fietsen in Amsterdam (andar de bicicleta em Amsterdam, em holandês) junto aos canais calmos e debaixo das árvores ainda resistentes e verdejantes num dia ameno de Outono é das melhores experiências que já fiz e uma das coisas que guardarei mais ternamente desta viagem.

Com o tempo indeciso entre nuvens ou sol, mas com temperaturas estáveis e sem chuva, pedalo alegremente (parando de vez em quando para consultar o mapa e voltar para trás porque falhei uma curva) pelas ruas fechadas ao trânsito automóvel (e de bicicletas, mas como não passam peões, arrisco-me a passsar por lá).

Esta é uma experiência só minha, em que só eu é que ando por cá. Estou em Erasmus, experiência que muitos fazem mas isto só eu é que o faço. Isto ninguém me tira: ter-me lançado à aventura para Helsinki, para Stockholm, para Amsterdam. O meu Erasmus estava a ser uma gigante aventura e o que estava a receber em troca era muito mais do que aquilo que estava a arriscar.




O van Gogh, apesar de conter uma imensidade de obras, deixa um bocado a desejar porque me parece vazio e algo impessoal. Mesmo assim, emocionado pela história de vida do pintor, acabo por sair algo abalado. Monto a bicicleta estrategicamente estacionada mesmo em frente do museu (à campeão) e sigo para o Rijks.

O Rijksmuseum é o museu nacional holandês de arte e contém colecções dos grandes mestres da pintura holandesa. Quando lá fui estava em obras e algumas alas estavam fechadas mas ainda assim consegui ver através de pinturas, esculturas e peças de mobiliário e porcelana a história holandesa. Fiquei a conhecer mais sobre um país que me lembrava de ter estudado (no 9º ano...) mas que não sabia mais para além do que os livros de História me tinham dito.

Satisfeito por ter dado uma componente cultural à viagem, tornando-a agora multifacetada, vou ter com os meus amigos. Antes disso, páro num albert heijn (os supermercados lá do sítio) para comer qualquer coisa. Compro uma baguete sem nada (não tinha muito dinheiro comigo e não aceitavam cartões) e como-a rapidamente. Agora percebo porque é que os holandeses comem tanto e tantas vezes ao dia: estão habituados a isso porque andar de bicicleta abre imenso o apetite.




Faço agora a Spuistrat no sentido inverso para voltar ao hostel. Encontramo-nos todos e vamos jantar mais uma vez perto da Leidseplein a um restauranteco italiano onde comemos muito por muito pouco (começo a habituar-me a isto e a pensar porque é que em Helsinki não poderá ser assim também...). Acabamos a noite ali por perto e voltamos ao hotel para a última noite em que dormimos no hostel.

12/10: Amsterdam

My Bloody Valentine – Sometimes

Ao acordarmos para o último dia em Amsterdam, propomo-nos a um último objectivo: ver o maior número possível de coisas e fazer o maior número possível de coisas.

Depois de algumas voltas, vamos todos à Central Station despedirmo-nos da Maria João que vai apanhar um comboio para Schiphol onde a espera um voo para Lisboa, de regresso a Portugal, de regresso à vida real. Como já tínhamos feito o check-out do hostel, eles deixam as suas bagagens nos cacifos da estação mas eu decido ficar com a minha mochila.

Depois das despedidas, os meus restantes companheiros decidem dar mais umas olhadelas pelas vistas. Como me tinha levantado mais cedo que os outros e já tinha andado a passear mais um bocado, dá-me a fome e almoço no Burger King da estação, dando uso às senhas que tínhamos e que nos davam direito a um menu grande mais um duplo hambúrguer por apenas 4 euros e meio.

Depois de almoçar, a minha fiel bicicleta espera-me novamente em frente ao hostel no sítio do costume. Monto nela e neste momento já estou tão confiante que acabo por atender o telemóvel em andamento. Leva-me rapidamente ao Amsterdams Historich Museum onde passo rapidamente os olhos pela história de uma cidade que em muitos aspectos é bem mais avançada que todas as outras por onde já passei. Sem muito tempo para mais, saio de novo para a rua e para os últimos raios de sol de mais um dia bastante agradável, como se Amsterdam se estivesse a despedir de mim e só a querer dar-me boas recordações.

Depois do museu, tenho que ir devolver a bicicleta. Devolvida a minha companheira fiel de pedaladas e que nunca me deixou ficar mal, fico reduzido a mais um peão anónimo nas ruas de Amsterdam, por oposição ao ciclista anónimo que tinha sido mas que dava muito mais estatuto. A confiança em cima das duas rodas era tal que para o fim já era eu que tocava na campainha da bicicleta irritadamente quando alguém se atravessava na ciclovia.








Sempre a olhar para o ombro para não ser atropelado nem por carros nem por bicicletas, tiro fotografias às casas e à sua arquitectura peculiar: todas de estilos diferentes, todas tortas em relação umas às outras ao longo dos canais com janelas altas que reflectem a rua e os canais, deixando entrar toda a luz possível no que aparentemente é uma cidade tristonha e cheia de chuva. Dizem que a primeira impressão é a que conta; pois bem, Amsterdam será sempre para mim uma cidade solarenga e alegre.




Encontramo-nos todos outra vez na Central Station, desta vez para nos despedirmos da Inês que regressa à Alemanha, para a sua vida de Erasmus mas que não deixa de ser também a vida real na altura. Vou ter com eles ao Burger King (claro está) onde almoçam. Como a Inês ainda não tem bilhete, vou comprar com ela. O tempo fica apertado e acabamos por ir directamente para as linhas dos comboios internacionais e onde me despeço dela, com promessas de fotos para cá e para lá.

Volto ao Burger King para formarmos os últimos resistentes de Amsterdam: eu, a Sofia, o Sérgio e o João. Ficamos com aquela sensação de uma aventura que está a acabar, com o travo amargo de termos que partir mas também a satisfação mental de que estamos a voltar.

Saímos para as ruas onde a noite cai, onde as luzes se acendem e as pessoas falam mais alto e desmontam das bicicletas para chegarem a casa. Damos mais umas voltas para ainda ver tudo quanto nos é possível, mas ao fim de algum tempo temos que voltar para levar a Sofia ao seu comboio, que a leva a Bruxelas.

Ficam só a sobrar os rapazes e vamos, como homens que somos, jantar ao já sítio do costume (4 hamburgueres em pouco mais que 6 horas... já tinha referido que andar de bicicleta faz mesmo fome?). A Sofia faz uma aparição inesperada: parece que a partida tinha sido adiada por uma hora por causa de um problema qualquer na linha. O tempo passa e recapitulamos aventuras, viagens, dias e noites numa cidade do centro da Europa. O tempo passa e a Sofia acaba por ter que ir embora.

Acabamos por ficar finalmente só os três, com os estômagos consolados e com tempo para matar. Recebo uma chamada de Portugal a perguntar quando chego... se ainda nem parti, como posso já chegar? Ainda ficamos uma hora em Amsterdam até que eles se vão embora finalmente para Nijmegen, deixando-me sozinho na Central Station, aguardando o comboio que me levará para Schiphol, para a última etapa da minha saga.

Moby – My Weakness

Sozinho outra vez mas desta vez verdadeiramente sozinho, deixo-me ficar nos bancos em frente à minha linha, fazendo um balanço cuidadoso sobre onde seria melhor ficar as horas que me separam do meu voo: se na Central Station, se no aeroporto. Penso ainda em tudo o que fiz, em tudo o que vi, em tudo o que aprendi e como é que isso me mudava em relação à pessoa que tinha ficado em Helsinki, ao Diogo que não arriscaria ou ao Diogo que ficaria com os amigos de Erasmus em Stockholm e que já teria chegado a Helsinki, e que estaria confortável, com roupa lavada, estômago bem alimentado (com verdadeira comida) e bem descansado. Penso em tudo isto e concluo que valeu a pena. Valeu mesmo a pena...

Satisfeito mas desfeito, entro então no comboio que vai para o aeroporto, no comboio que me levará para um pouco mais perto de casa.


10.4.09

[Ventos de Nordeste] MSE

4. Amsterdam, por fim


09/10: Nijmegen -> Amsterdam (percurso de comboio inverso ao do dia anterior, chegada a Amsterdam Centraal)

Coldplay – Amsterdam

Acordo com a nítida sensação de desconforto e frio e demasiada luz no quarto e demoro até perceber que já não estou numa cama confortável em Stockholm – a melhor cama onde havia dormido até aí desde que saí de Lisboa – mas sim num colchão num quarto de um estudante Erasmus, longe de casa. Agora percebo como se sentem os amigos dos meus amigos que os vão visitar a Helsinki. Eu e o Óscar arranjamo-nos e vamos até ao mesmo centro de lojecas onde tinha estado na noite anterior para comermos qualquer coisa à laia de almoço. Vamos de bicicleta: ele a pedalar, eu no suporte para carga atrás, à pendura – algo ilegal na Holanda, mas bastante comum. Assim que chegamos, ele tranca a bicicleta com 2 cadeados e fica incrédulo quando lhe conto que em Helsinki ninguém – ou quase – ninguém tranca as bicicletas. Andamos pelos corredores a escolher pão e coisas para o encher e desta vez quem fica espantado sou eu, perante os preços ridículos comparados com os da Finlândia. Dá vontade de perguntar porque é que não é tudo assim em todo o lado... Almoçamos num parque e voltamos para casa para pegar nas mochilas e encontrarmo-nos com os outros. Perante os atrasos de uns e outros, metade do grupo foi andando de autocarro para a estação de comboios.

Todos reunidos de novo, compramos os bilhetes para Amsterdam Centraal enquanto que o Óscar compra para Schiphol pois vai apanhar um voo para Budapest ter com o irmão que está lá a fazer Erasmus também. Viagem tranquila sem muito para fazer senão matar tempo com estórias de aqui e ali, de países longínquos e próximos, de tempos passados e futuros.



O comboio abranda e entra na estação central. Recolhemos as nossas malas e saltamos para fora do comboio, deixando que o João nos orientasse pela estação, já que já lá tinha estado no Verão, quando tinha feito o interrail.


Uma vez nas ruas, consultamos um mapa que retiramos de um ponto de turismo e procuramos a rua onde fica o nosso hostel. De acordo com as informações retiradas do site onde tinha feito as reservas, o hostel ficava perto do Grasshopper, uma das primeiras coffeeshops da cidade. Descemos ao longo do canal paralelo à Damrak e lá encontramos o edifício verde, emblemático da zona.





Chegamos então ao Travel Hotel, o nosso hostel. A centralidade é a melhor característica, sendo que o preço e a limpeza são bastante aceitáveis, mas as pessoas não foram lá muito simpáticas. Não obstante, seria a nossa casa nos próximos dias e por isso mesmo lá fizemos o pagamento da reserva e o check-in. Como só há uma chave para o nosso quarto e a Inês já tinha chegado, subimos pelas escadarias íngremes e estreitas.


Batemos à porta e lá se abre, com a Inês a surgir com olhos de sono. Momento de alegria por estarmos todos juntos e de arrumarmos as coisas, enquanto ouvimos a epopeia dela: saiu de Paderborn, na Alemanha onde está a fazer Erasmus, bem cedo de manhã para chegar a Amsterdam horas antes de chegarmos. Fez o check-in no hostel e parte à descoberta para ir tirando fotografias e conhecer a cidade. Sorrio; seria exactamente aquilo que eu faria. Uma vez instalados e depois de inspeccionado o recinto, saímos para as ruas que recebem a noite e tudo o que ela traz.

Fazemos então as primeiras explorações pelo China District e pelo Red Light District que estão a duas ruas de distância do hostel. Somos rodeados de turistas e holandeses, velhos e novos, línguas conhecidas e desconhecidas, expressões familiares e pensamentos deixados para trás. Estamos numa cidade do mundo, numa rua onde provavelmente há mais nacionalidades diferentes que casas. Satisfeito por já ter chegado, envio mensagens para a família a reportar chegada segura e tranquila. Perante os estômagos que se remexem, decidimos procurar um sítio para jantarmos.

Decidimo-nos por um restaurante italiano baratucho cuja comida sabe a ouro. Animados por cima das pizzas e dos orégãos espalhados um pouco pela mesa toda, qual reminiscência de Tallinn, salta uma frase lapidar: “comer quando se tem fome é uma das melhores sensações do mundo!”. De barriga reconfortada e de espíritos elevados, saímos novamente para as ruas onde a noite, já instalada, reina entre as esquinas e as vielas, onde já pairam nuvens de fumo e música de bares e coffeeshops saem para as ruas, numa mescla de sons, cores, luz e escuridão e pessoas de todo o mundo. Tento lembrar-me de onde já vi isto, ou pelo menos, tanta animação e volto a lembrar-me de Atenas, onde há tanta gente nas ruas durante a noite como durante o dia.




Acabamos por escolher um bar onde ficamos a beber umas Heineken (pois claro) tranquila e pacatamente antes de voltarmos para casa. Comemos umas vlaamse frites numa friterie pelo caminho para reforçar o estômago antes de irmos para a cama descansar e restabelecer energias para os dias seguintes que vão ser curtos, mas que terão que ser longos.

10/10: Amsterdam

Coldplay – The Hardest Part

Há dois conselhos que são dados a quem visita Amsterdam: ter cuidado com os carteiristas e olhar sempre pelo ombro quando se atravessa uma estrada ou uma ciclovia, não se vá levar com uma bicicleta em cima. E também convém perceber quando é que as campainhas são tocadas para nós, não vamos inadvertidamente tentar sair do caminho de alguém para sermos atropelados por uma bicicleta que nem vinha contra nós...

Saímos do hostel para ir tomar o pequeno-almoço / almoço ao McDonald’s, o melhor amigo dos viajantes com pouco dinheiro. Há quem diga que esses restaurantes são iguais em todo o lado mas este... especial. Pombos esvoaçavam alegremente lá dentro, as filas eram tudo menos filas (mais um aglomerado de pessoas para ver quem conseguia chegar à frente primeiro) e o serviço não era lá grande coisa. Não consigo deixar de pensar que a ASAE iria gostar bastante de dar lá um saltinho...

Já alimentados, decidimos dar uma volta pelos canais e aproveitar o sol que vai aparecendo por entre as nuvens, criando uma luz estranha para as fotografias e dando uma sensação de calor agradável.








Descemos então a Damrak até à Dam, a praça central de Amsterdam onde fica situado o Palácio Real. Mais umas voltas e ficamos a conhecer pelos nomes as ruas principais e secundárias, habituando-nos a ver os canais e as pontes e a saber onde estamos em relação ao nosso hostel e aos pontos de referência. Com tantos museus e sítios para visitar, decido fazer o Amsterdam Card que me dá acesso a todos os museus culturais de Amsterdam enquanto eles decidem fazer o iamsterdam, que lhes dá acesso às “atracções”, como o Madame Tussaud’s e outros.





De cartões em punho, eu e a Maria João decidimos ir à Rembrandthuis, casa-museu de Rembrandt. Fascino-me com a tecnologia usada pelo pintor ao fazer primeiro esboços em placas de metal para depois imprimi-las num processo químico. A casa tinha sido restaurada para recriar o ambiente vivido pelo pintor e a sua família e os seus aprendizes e as camas-armário onde dormiam as pessoas intrigaram-me: se bem que os holandeses são, hoje em dia, dos povos mais altos, na altura (c.1650) não eram mas mesmo assim aquelas pequenas camas dentro de armários fazem-me pensar em como as pessoas tinham que dormir todas dobradas. Já a pensar nas dores de joelhos com que ficaria, seguimos para investigar o resto da exposição e os artefactos que o mestre da pintura holandesa foi recolhendo ao longo da sua vida: esculturas, livros, pergaminhos e fósseis de todo o mundo e culturas.



Saídos do museu e com tempo para matar, passamos num supermercado para comprar qualquer coisa à laia de lanche. A caminho da Dam, o ponto de encontro, passamos por uma lojeca onde se alugam bicicletas cujos folhetos informativos já tinha visto. Já tinha pensado em alugar uma bicicleta e decido ficar com uma delas. Escolho uma bicicleta holandesa, com travões a pedalar para trás. Tenho que escolher a mais pequena (de criança, mesmo) e mesmo assim fico com os pés acima do chão. Sei que é assim que é suposto andar-se de bicicleta, mas prefiro bicicletas em que consiga tocar com os pés no chão, em caso de emergência. A minha sorte é que aquelas bicicletas de criança daquela oficina não tinham as grinaldas e fitinhas que as bicicletas costumam ter das outras oficinas: seria bastante comum ver jovens asiáticos a andar em bicicletas verdadeiramente infantis, com um ar de vergonha até às orelhas.




Dou algumas voltas pela Dam para ver se me habituo aos pedais e à altura, mas demora algum tempo – o tempo suficiente para ser gozado por outros ciclistas holandeses. Para um país tão tolerante, demoram algum tempo a aceitar os outros... Aliás, nesta altura começo a pensar que as pessoas em Amsterdam são simpáticas mas bastante menos que no resto do país. Ao fim de algum tempo, decido ir para o hostel e estaciono a bicicleta em frente à porta e subo para o quarto, onde os meus amigos já se estavam a preparar para irmos jantar.

Nessa noite encontramo-nos com um amigo de Nijmegen que conhece um sítio bom para se jantar. Apanhamos um tram até à Leidseplein onde saímos para irmos jantar umas spare ribs por €12,50 ao Pancake Corner, um sports bar que tem mais de 100 televisões a mostrar vários desportos ao mesmo tempo. Comemos até não podermos mais e seguimos para o que a noite nos tem para oferecer.



Voltamos para a praça e decidimo-nos pelo Bulldog: um bar, discoteca e coffeeshop, tudo no mesmo edifício, em vários andares diferentes. Ficamos por lá uma vez que a música é boa, o sítio é simpático e consegue pedir-se uma cerveja ao balcão sem se demorar horas.


Ao fim de umas horas, é dada a hora de recolher. A noite e o dia já vão longos e ainda temos que ir a pé até à Beursplein, onde fica o nosso hostel. Vamos então seguindo as linhas de tram e ficamos a conhecer as ruas desertas de noite, estranhamente calmas. No dia seguinte veria essas ruas outra vez mas isso é estória para outro dia.


7.4.09

[Ventos de Nordeste] MSE

3. Comboios na Holanda

08/10: Arlanda, Sverige -> Amsterdam Airport Schiphol, Nederland (avião: voo SK 1555 da Scandinavian Airlines)

Kings Of Convenience – Sorry or Please

Chegados a Schiphol, levanto-me do meu lugar e tirando a mochila volumosa do compartimento superior ponho-me a andar. Oriento-me por entre as indicações em holandês e inglês e a impressão imediata com que fico é que o holandês não é assim tão diferente do alemão e até tem algumas semelhanças com o sueco. Sem muito para fazer e com alguma pressa (pois tinha planeado a viagem de comboio até Nijmegen à tabela), sigo para as saídas.

Nos tapetes para a recolha das bagagens há máquinas automáticas de venda de bilhetes de comboios, sinal de que os holandeses levam muito a sério os seus comboios. Ligo para os meus amigos para ter a certeza da estação em que devo sair. Recebidas as últimas instruções, compro o bilhete até Nijmegen e passo pela alfândega, em busca dos comboios.

O aeroporto de Schiphol é muito grande, com 3 terminais e imensas ramificações de onde partem aviões de passageiros e de carga para todo o mundo. De todos os aeroportos que já passei e que me lembro, este deve ser dos maiores, só comparável ao de Frankfurt e ao de Madrid-Barajas desde que o novo terminal foi inaugurado. Fico impressionado com a facilidade de movimentos das pessoas por entre tantas lojas, cafés, restaurantes, terminais, ligações de voos (os balcões para fazer o check-in de ligação são raros e as pessoas são encorajadas a fazê-lo nas máquinas existentes para o efeito) e deixo que as indicações para a estação de comboios me levem sem discutir.

A estação de comboios de Schiphol é dentro do próprio aeroporto e só se precisa de atravessar as portadas para se perceber o grau de integração de transportes na Holanda. Inúmeras escadarias descem para os túneis das linhas que ligam o principal aeroporto da Holanda a todo o país e ao estrangeiro (Alemanha, Bélgica, França e Luxemburgo). Procuro a linha para Utrecht e desço para o respectivo túnel.

Schiphol -> Nijmegen (comboios InterCity: 17h44 nas linhas 1-2 para Utrecht Centraal. Chegada a Utrecht às 18h17 na linha 15; 18h23 na linha 14 para Ede-Wageningen. Chegada a Nijmegen às 19h21 na linha 3b)

As horas dos comboios descritas acima são as que tinha retirado do site da Nederlandse Spoorwegen (a CP lá do sítio). Tinha planeado apanhar os comboios todos meia hora mais tarde mas como me despachei mais depressa do que julgava acabei por estar à frente do meu horário. Hesitante entre apanhar o comboio para Utrecht e ver no que dava ou esperar meia hora para ficar de acordo com o plano, deixo que o impulso me empurre para dentro do comboio e esperar que as ligações se mantenham.

Procuro um lugar para me sentar e, sempre com a minha mochila debaixo de olho, acabo por arranjar um lugar à janela, onde fico a ver a paisagem verde espraiar-se. Não é o mesmo verde que o da Suécia umas horas antes, até porque o sol começa a descer no horizonte. A minha primeira impressão destes comboios é que facilmente poderiam ser os comboios suburbanos de Lisboa: silenciosos, cheios mas sossegados. As pessoas não são tão indiferentes aos companheiros de viagem como na Finlândia, mas dão espaço e privacidade suficientes para que se faça uma viagem tranquila.

Oiço, por cima da música que toca alegremente no meu iPod (omnipresente, como é óbvio), qualquer coisa sobre a próxima estação e leio no painel que se aproxima a estação de Amsterdam Bijlmer ArenA, estação que serve o estádio do Ajax, a Amsterdam ArenA. Como qualquer adepto de futebol, não fico indiferente à presença do estádio de um dos clubes mais emblemáticos do futebol mundial que nos trouxe jogadores como Cruijff, van Basten, Bergkamp, entre outros.




Saio em Utrecht à hora prevista nas minhas contas (viagem de 32 minutos) e só preciso de andar 2 metros para mudar de linha e esperar uns minutos para que chegue o comboio que me leverá à próxima etapa desta saga. Entro no comboio que chega à tabela e vejo o verde escurecer com o avançar do dia. Atravesso cidades pequenas e grandes, vilórias desconhecidas e pontes sobre rios largos e pequenos. As pessoas vão entrando e saindo, sem grandes confusões, e vou escrevendo na moleskine apontamentos para eventualmente os escrever aqui. Já muitas músicas tocaram nos auscultadores, devo estar a chegar. O comboio começa a travar ao atravessar Nijmegen-Lent e a próxima estação deve ser a minha. Oiço Nijmegen e, como eu, muitas pessoas levantam-se e dirigimo-nos para a saída. Contente por ter acertado nas minhas previsões e por saber que me consigo orientar em 3 países diferentes tão facilmente, saio da estação e procuro a estação de autocarros.

The Doors – Alabama Song (Whiskey Bar)

Na estação de autocarros, espero pacientemente na linha J pelo autocarro nº 6 que me levará a Malvert. Os autocarros em Nijmegen têm um monitor onde está a lista de paragens mas o deste não estava a funcionar. Tive então que perguntar ao condutor pela paragem de Vossendijk que não existia mas lá dei por mim a sair do autocarro com um casal de velhinhos muito simpático que me apontam a direcção de Vossendijk. Deixo-os ir à vida deles e aguardo numa espécie de centro comercial. Mensagem para os meus amigos a dizer que já estou no sítio combinado e começo a ouvir vozes familiares, vozes portuguesas.

Encontro-me então com o Sérgio, a Sofia, o João e o Óscar e, como bons portugueses, fazemos uma grande festa ali mesmo no meio das ruas vazias; tinham ido fazer as compras para o jantar de mais logo e aproveitaram para me apanhar. Os três rapazes estão a fazer Erasmus em Nijmegen; a Sofia, namorada do Sérgio, está em Bruxelas mas, como eu, veio para a Holanda porque são os anos do Sérgio à meia-noite. Vamos para os apartamentos onde vivem e fico a conhecer uma realidade de residências Erasmus bem diferentes da minha: os prédios, de imensos andares, têm um estacionamento de bicicletas (claro), cada andar tem dois blocos fechados por portas com fechadura e apenas quem tem a chave pode entrar. Cada bloco tem um espaço comum com uma cozinha e uma sala e casas de banho também comuns. Cada quarto tem um chuveiro próprio com um lavatório e uma janela enorme com vista para o parque, onde ao fundo se vê a Radboud Universiteit de Nijmegen.


Conheço ainda a Maria João, a namorada do João, e o Tommi (italiano), o Clément (francês) e o Jason (americano) que se juntam a nós para festejarmos os anos do Sérgio. Aqui e ali, todas as festas Erasmus são iguais: o simples facto das pessoas serem de países diferentes (e nem assim tão diferentes) dá azo a muita conversa e muita animação. E também poder falar português com tanta gente ajuda... A noite avança e o cansaço acumula-se. Em 3 dias, já tinha viajado de tram, barco, comboio, avião e autocarro e as pestanas pesam e as pernas doem. Há ainda tempo para roubar um colchão da área comum para levar para o quarto do Óscar, onde durmo para recuperar as energias. É que no dia seguinte novas viagens de comboios esperam-me, desta vez com destino a Amsterdam.

13.2.09

[Ventos de Nordeste] MSE

2. Dia e meio em Stockholm

07/10: Stockholm, Sverige

Moby - In My Heart



Acordamos cedo e lá nos coordenamos com os banhos para ver se saímos da cabina a tempo de ainda tomar o pequeno almoço a bordo e ver a navegação à entrada de Stockholm por entre as ilhas amortalhadas por uma neblina matinal, ao que parece muito típica.

Atracamos e desembarcamos. Como de costume, a confusão impera quando todas as pessoas tentam chegar mais rápido que as outras aos autocarros e por isso o nosso grande grupo separa-se e demoramos algum tempo a juntarmo-nos todos. Ao fim de algum tempo, voltamos a pegar nas malas e mochilas e pomo-nos a caminho. Andamos uns 20 minutos até ao hotel, em Södermalm (considerada a zona mais pobre de Stockholm, mas mesmo assim com grande qualidade de vida) onde alguns quartos ainda não estavam prontos - como é óbvio, o meu não estava... Deixámos então as malas na sala de bagagens, pegámos em mapas, pedimos para assinalar o nosso hotel e eu e os que estavam no meu quarto saímos para explorar.

A primeira impressão (daquele dia, se calhar!) é de que Stockholm é uma cidade cheia de luz porque as ruas são largas na parte nova da cidade e os prédios com muitas janelas espelham a luz, dando a impressão de um dia de Verão quando na verdade estavam uns 10 graus. Levantamos também dinheiro, as Coroas Suecas (Kronor), cuja taxa era de 1€ para 9,5 SEK.







As duas últimas fotos são do topo de um miradouro de onde se tinha uma vista panorâmica sobre a cidade, desde a foz do rio Norrström às ilhas dispersas que constituem a própria cidade. Depois de descermos do elevador, aventuramo-nos pela primeira vez pela Gamla Stan, a cidade velha.

A cidade velha está construída numa ilha no meio do rio e nota-se facilmente as influências germânicas na arquitectura e no pavimento: as ruas são calcetadas com pedras negras basálticas, à semelhança de Tallinn. O Palácio de Stockholm, residência oficial do monarca, e outros edifícios como catedrais, a Bolsa de valores que funciona no antigo edifício da Svenska Akademien (Academia Sueca), que atribui os Prémios Nobel.





Depois de passarmos pela Cidade Velha, dirigimo-nos para o ponto de encontro com o resto do grupo. Aproveitamos uns minutos de sol enquanto não chega toda a gente e para perceber o que se vai fazer depois. Almoçamos no McDonald's (sempre presente), onde peço num sueco muito aceitável. Depois de repostas as energias, saímos todos num grande grupo onde uma amiga de uma das tutoras que nos acompanharam nos ia gentilmente dar uma visita guiada pela Gamla Stan.

Toranja - Laços





Passamos então pelo edifício da Academia Sueca, bem no centro da ilha. Entretanto começamos a reparar no denominador comum de todos nós: de vez em quando, as pernas tremiam-nos e abanávamos, o suficiente para parecer que estávamos ainda a navegar; esta ocorrência foi denominada, em jeito de piada, como "the new Stockholm Syndrome".


Após nova passagem pela cidade velha, voltámos ao hotel (a tarde já ia a meio) para deixarmos as mochilas nos quartos e aproveitámos para ir tomar um café antes do jantar, para descansar um bocado. Já todos reunidos, dirigimo-nos então para o restaurante onde tinhamos marcado o jantar para cerca de 35 pessoas. Como não cabíamos todos numa mesa, fomos separados e dispersos pelo restaurante, onde acabámos por ficar em pequenos grupos o que permitiu uma conversa agradável e fluida. Jantei uma posta de salmão tão grande e suculenta que parecia um bife do lombo e bebemos todos uma garrafa de vinho branco, tendo pago cerca de 150 SEK (menos de 15€) por tudo e ainda café.

Daft Punk - High Life

Animados, seguimos então para um bar não muito longe do hotel, o que não difere tanto de uma normal terça feira em Helsinki para nós, estudantes de Erasmus. Mas a verdade é que estamos longe da casa longe de casa, e estamos numa cidade nova e celebramos por isso. E celebramos também, à meia noite, o aniversário da Yvonne, tutora que faz 21 anos. Saímos do bar e seguimos para o hotel, onde a festa prossegue num dos quartos e só acaba quando já não houver forças para mais.

08/10: Stockholm -> Arlanda (comboio: Arlanda Express)

Acordamos e assistimos à derrocada dos mercados financeiros na Ásia. Fazemos turnos para tomar banho e arrumar as coisas, mas sempre de olho na televisão e ligeiramente apreensivos sobre tudo o que poderá isto trazer, não fôssemos nós estudantes de, entre outras coisas, Economia.

Descemos para tomarmos frukost (pequeno almoço em sueco) onde comemos smörgåsar, bebemos mjölk ou applesinsaft e acabamos com uma boa kopp kaffe (ou para os mais relaxados, uma kopp te). Com a barriga satisfeita, subo para buscar a minha mochila e tirar umas últimas fotografias ao quarto e à cama onde até a esse ponto tinha dormido melhor em Erasmus.




Desco e encontro o restante pessoal no lobby do hotel a caminho do pequeno almoço ou já a sair. Conselhos para coisas a fazer e ver em Amsterdam, exigências de promessas que me divirta, abraços para aqui e beijinhos para ali, lá me vou despedindo. Tempo ainda para mandar mails à pressa para família, amigos na Holanda e em Portugal antes de pegar nas coisas e sair.

Kings Of Leon - Day Old Blue

Saio e encontro o Rafa com o Alex e o Simon à porta do hotel, aparentemente à espera de nada. Pergunto para onde vão e descobrimos que vamos todos para o mesmo sítio. Entramos então no metro e dirigimo-nos para o centro da cidade. Eles iam explorar mais um bocado, eu ia para a Central Station, onde ia apanhar o comboio até ao aeroporto.



Separamo-nos à saída do metro e deixo definitivamente Helsinki para trás e deparo-me sozinho, numa cidade a centenas de quilómetros de distância daquilo que conheço e tenho vivido e a milhares daquilo que sempre fui. Os únicos laços que me ligam à terra são os parcos conhecimentos de sueco, a lingua inglesa e uma folha de papel na mochila que me garantia um lugar no voo que me levaria até Schiphol, na Holanda.



Na estação sigo as setas (está mesmo muito bem indicado) até ao Arlanda Express, comboio que segue directo até ao aeroporto que serve Stockholm, percorrendo os cerca de 40km que os separam em 20 minutos.


Chego ao balcão e peço um bilhete, que com desconto de estudante custa 110 SEK (220 SEK custa um bilhete de adulto sem desconto). Aí deparo-me com um problema: é que só tinha 104 kronor e não queria levantar mais dinheiro sueco e os meus cartões não estavam a ter muito sucesso para pagar coisas nas lojas. Expus o meu problema lá ao homem que me atendeu e ele, muito atenciosamente, levantou-se e dirigiu-se a uma pequena caixa de onde tirou umas moedas. Deu-mas, explicando que as pessoas "sometimes forget their change" e assim já pude pagar o bilhete e embarcar num comboio moderníssimo pequeno (tinha umas duas ou três carruagens) e estreitíssimo (no máximo 3m de largura) mas que atingia 200km/h, como se pode ver na fotografia.





Paisagem vista do comboio, sempre muito verde e alegre. Aproveito para ver as notícias transmitidas em inglês nas televisões do comboio. Chegando ao aeroporto, o comboio entra num túnel que corre por baixo dos terminais e cujas duas estações servem os terminais de vôos nacionais e de internacionais. Apeio-me no dos internacionais e subo as escadas para chegar ao meu terminal, numa mescla de excitação, orgulho, apreensão, liberdade. Consulto nos painéis electrónicos o meu vôo: é só daqui a umas horas. Faço o check-in electrónico (com a referência do meu bilhete electrónico e o meu número de passaporte e que até deu para escolher um lugar de janela!) e percorro, hesitante em como matar o tempo, o terminal, vendo para onde vão os aviões que dividem a pista com o que me há de levar para fora da Escandinávia mais uma vez, sem ser da vez em que a deixaria definitivamente.


Fotografias do aeroporto; todo ele feito de vidro e aço, muito simples e elegante. Enquanto escrevo apontamentos na Moleskine para mais tarde os transcrever para aqui, passam por mim 4 jovens em grupo que não teriam mais que a minha idade e que se parecem comigo: cheios de confiança neles próprios, mochilas às costas, sorriso nos lábios. E mais: de cada uma das suas mochilas, via-se o braço da guitarra wireless do Guitar Hero a espreitar para fora. Aí me ocorreu que já não precisamos de ser estrelas de rock ou de futebol para termos esta vida de numa semana visitar 4 cidades em 3 países diferentes, sempre a andar, sempre a viver. Agora já podemos fazê-lo com a mesma liberdade que os nossos pais com a nossa idade tinham para ir, digamos, jantar fora. Ainda a pensar nisto, dou por mim com fome e procuro onde almoçar. Nada me parece mais apropriado que o Sbarro's, restaurante que me fez as delícias quando visitei New York em plena Times Square. Aumenta o meu fascínio por toda esta facilidade de movimentos (restaurantes para aqui e para lá, amigos em toda a Europa, comboios que me levam a 200 km/h para a terra de ninguém - ninguém para me levar ao avião, ninguém para me esperar do lado de lá) e a pizza ainda me sabe melhor. Antes de me dirigir ao portão de embarque, decido passar pela capela para pedir que tudo corresse bem nesta viagem. A capela ecuménica era pequena e silenciosa, com Bíblias, o Corão e a Torah e onde se podiam acender velas por 10SEK. Como já não tinha dinheiro para isso, fico-me pelas intenções. Confiante de que tudo vai correr bem, abandono a capela. E é no fim de tudo isto e por isto mesmo, que de auscultadores nos ouvidos a ouvir Kings of Leon, de blusão e calças de ganga - qual estrela de rock - preparados para 5 dias sem parar e de pensar em tudo o que poderia correr mal e em como tudo iria correr bem, lá vai o Goga para o avião que o irá levar à Holanda.